Acho muito fofo esse movimento que prega a necessidade de um centro moderado. É como se fossem almas puras que apenas querem salvar o próprio traseiro e poder gritar "eu não votei nele" – seja "ele" alguém como Bolsonaro ou um petista. Vocês não acham fofo? Eu acho fofo.
Leiam esse texto da Folha e voltem depois pra terminar de ler a news desse sábado.
Leram? Então lá vamos nós com algumas questões.
Quem são os nomes desse centro que os autores pregam como a salvação do país? O texto não diz. Mas sobretudo – e disso eles fugirão – a quem eles se aliarão quando chegar a hora de largar o teclado no ar condicionado e percorrer as ruas implorando por votos? Ou acham possível eleger qualquer nome desse centro místico sem abraçar a esquerda ou a extrema direita no Brasil de hoje?
Não, não é possível. Quem serão seus aliados? Isso eles não falam. Como o artigo sequer menciona Bolsonaro – mas cita “Lula” emblemáticas 13 vezes – eu só posso exercitar a imaginação.
Note que isso tudo é apenas retórica intelectual pura sem qualquer lastro na realidade. Vivemos em um país polarizado, sim, e é com esse país que temos que lidar porque, ora, a polarização não vai sumir e ninguém fará os polos desaparecerem para abrir caminho para esse centro lúdico.
Esse centro, já deu pra ler bem, não existe. O nome desse centro que os autores pregam é "conservadorismo", e tem lá um toque de Itália dos anos 90: chama um animador de auditório pra resolver a parada. Um animador de auditório que, real ou figurado, vai defender o capital, que faz parte da concentração de renda, que é "liberal na economia e conservador nos costumes", que acaba sempre em "bolsodoria" ou algo do tipo porque é esse o menu para daqui a menos de um ano, quando teremos eleições municipais.
Ou, como disse o Fernando Barros,
"os ideólogos de Huck estão na praça, gastando tinta para emplacar o telepopulismo liberal de centro moderado". Não sou tão otimista: de centro esse movimento não tem nem o cheiro.
Sabem por que que nenhum dos pregadores do centro salvador ousa levantar nomes? Porque o centro visível no Brasil das nossas ruínas vai de Rodrigo Maia à Jandira Feghali (e passa por Gilmar Mendes). São essas as pessoas que realmente estão trabalhando para conter a barbárie, para barrar as insanidades de Jair e de seu delegado de polícia de estimação, o ex-juiz.
É mais fácil – e até libertador – para esses intelectuais acreditarem na "terceira via", essa mística que ronda a política brasileira há décadas, o cavaleiro branco que aparece e salva todos sem sujar as mãos. Uma mentira, porque ele não apenas não terá essa força sem se aliar a um dos polos, como também sujará as mãos.
Já que não nos dão pistas de que rosto teria esse suposto centro, eu vou gastar um parágrafo para tentar adivinhar.
Samuel Pessôa, um dos que assinam o artigo na Folha, por exemplo, é
sócio de uma empresa chamada Reliance. Essa empresa é do grupo Julius Baer, um banco suíço notório por seu trabalho que consiste basicamente em: esconder em paraísos fiscais o dinheiro dos ultra ricos do mundo. O banco Julius Baer ficou mundialmente famoso quando operou contra a liberdade de publicar documentos e
derrubou na justiça o site Wikileaks por duas semanas depois que jornalistas expuseram documentos internos com indícios de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O site voltou ao ar, o banco pagou mais de meio bilhão de dólares
para não ser investigado nos EUA, e as acusações contra a fonte dos documentos – um ex-funcionário –
foram consideradas inválidas. Pessôa pode dizer que sou contra o modo como ele ganha seu dinheiro. Não sou. Quero apenas saber que apito toca o dinheiro dos ideólogos do novo centro brasileiro. Um exercício de transparência que seu banco-patrão tanto odeia.
Todos lembram o destino do centro de 2018. O Partido Novo virou base de apoio de Bolsonaro. O PSDB virou Bolsodoria. Se estão abraçados ao capitão de hospício, não são de centro. É esse o mesmo centro que pregam Pessôa e seus companheiros? Se não é, qual seria? Pelo artigo, não podemos saber. No mundo real, onde se disputa votos para vencer uma eleição, na hora do pega pra capar, dirão que Bolsonaro (ou qualquer outro do seu tipo) "tem uma chance de ouro de ressignificar a política do Brasil”,
como disse o centrista Luciano Huck? Se repudiam essa ideia, devem gritar mais alto, porque não dá pra ouvir.
Parece fácil escrever que é preciso “retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio”, se afastando dos polos como se fossem duas doenças incuráveis contra as quais, escrevendo artigos ilusórios em jornais, os autores nos receitam a cura. Então que saiam da toca de modo claro: a quem devemos confiar nossos votos? Quem é o novo fenômeno que em três anos fará 60 milhões de votos para derrotar o PT, o Bolsonaro e o diabo que seja? Estamos ouvindo. Enquanto isso não acontecer, sigam tomando o cafezinho dos imaculados que, daqui da calçada, podemos ver seus mindinhos em riste. Até engana um pouco. Mas só um pouquinho.
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